sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

VOCE É MINHA VIDA


Fevereiro de 1979, na rua transitava uma mulher de olhos negros, cabelos longos e lisos, estatura mediana com o ar de quem procura algo. Possuía um jeito especial, que resolvi segui-la e observá-la. Num súbito momento, parou e fez algumas perguntas para um velho dono de uma banca de revistas. Continuou a andar a passos miúdos. Após virar a esquina, entrou em uma clínica, onde possuía várias especialidades médicas, o que era uma concidência, era a mesma clínica onde havia feito recentemente um tratamento do coração. Como que num impulso, entrei também para saber o que iria acontecer, e também quem sabe ter a oportunidade de conhecê-la melhor.
- Sra. por favor onde fica o laboratório?
- Na segunda sala a direita.
-Obrigado.                                                                                                          
Seguiu as instruções da recepcionista, e foi parar num corredor enorme, onde encontrou a 2º porta referida pela moça da recepção. Abriu delicadamente e entrou. Instintivamente, entrei também na sala e sentei-me displicentemente em uma cadeira, pegando uma revista para disfarçar. A moça perguntou a atendente de plantão como deveria proceder para deixar o exame de urina. Imediatamente esta informou que deveria preencher um formulário, assinasse a guia do convênio e deixasse sobre o balcão a urina. Fiquei esperando, para ver o que aconteceria em seguida.
-Que dia venho buscar o resultado?
-Depois de amanhã, pela tarde.
Agradeceu, saindo do ambiente em que se encontrava. No seu rosto uma certa palidez e constrangimento, puderam ser observados por mim. Algumas suposições despertaram em minha mente e fiquei a imaginar daquele episódio vivido, também pude constatar de que não adiantou nada, ter seguido aquela moça de cabelos longos e lisos, com olhos negros. Mesmo assim, uma força estranha me empurrou até a atendente para saber o nome daquela linda mulher.
- Por favor, você poderia me informar o nome daquela moça que acabou de sair daqui?
- Infelizmente não posso lhe dar essa informação.
- Por favor, não lhe custa nada. Tenha certeza, não vou criar problemas por causa disso. É importante, nada vai acontecer de mau, lhe prometo.
- Já que o Sr. insiste, é Laura.
- Obrigada.
Sai daquele lugar com o firme propósito de rever aquela moça novamente Laura. Sabia o horário e o dia que ela voltaria à clinica, viria mais cedo e esperaria por ela o dia todo se preciso fosse. Não sei porque senti esse grande impulso de segui-la de saber seu nome, de revê-la e tentar quem sabe uma aproximação. Por outro lado, foi muito divertido, participar da vida do outro sem que ele mesmo saiba. Só sei, que ela me despertou um desejo muito forte, uma atração certamente, mas que só depois de amanhã eu saberia, mais sobre essa mulher misteriosa.

Desci a ladeira da minha casa a passos largos, não sei porque estava louco para tomar um banho, mudar de roupa, comer um pouco, quem sabe jogar sinuca no bar da esquina com os amigos.
-Piter que horas são?
-Dezenove e trinta...
-Ah! cara o Luciano ligou, disse que vai para o House as nove horas, se você quiser encontrar com ele, é só ir no bar.
-Obrigado Junior, talvez eu vá, mas ao mesmo tempo nem sei, estou me sentindo estranho.
-O que aconteceu mano, que bicho te mordeu. Você não é de ficar em casa à noite?
-Será que não podemos mudar de hábitos um dia sequer?
-Tá certo, você é que sabe cara...
Pensei comigo, preciso mudar de vida, preciso encontrar um trabalho, uma gata que possa amar de verdade, estou cansado de transar inconseqüentemente, não tenho sido feliz, essa que é a verdade. Preciso pagar minhas contas, parar de depender do pai, de pedir seu carro para sair com as garotas, fazer gênero para todas elas e para meus amigos também.
-Piter você lembra do João? Aquele cara que sempre arrumava garotas que tiravam a roupa  fácil, fácil.
-Lembro, o que têm ele?
-Ele esteve aqui e disse, que arruma duas gatas para curtimos à noite. E que vai ser baratinho dessa vez.
-Tô fora, Junior. Nem quero amizade com esse cara, a última que ele aprontou não dar para engoli, minha vontade é esmagá-lo.
-Vá com calma, mulher é sempre bom e nunca é demais. E você parece tão diferente, parece um bobo sentimental, qual é cara, conte aqui para seu irmão?
-Não é nada...
Se ele soubesse, que não paro de pensar em uma desconhecida chamada Laura, que depois de amanhã estarei sentado na  poltrona de uma clinica, esperando- a. Sei que ela é diferente das tantas outras que tenho conhecido, que vivem dizendo amar, e por traz vivem a trair, sem a menor culpa ou constrangimento. Não as culpo, fazemos o mesmo com elas. A verdade é que quando isso acontece, tenho certeza, é porque não existe o sentimento maior, só sexo e prazer da companhia.
Acendeu um cigarro, colocou um cd no som, encostou-se na poltrona e ficou a pensar em Laura. Todos os momentos, desde que a viu, seus gestos, sua forma de andar e falar com a recepcionista. Como sem querer o sono foi chegando, que nem ele mesmo percebeu. Acabou sonhando com aquela garota.
Uma sensação de medo o tomou de súbito no sonho, era como se ela precisasse dele, ele corria ao seu encontro, mas nunca conseguia chegar. Acordou assustado, respirando fundo, era apenas um sonho.
Às seis horas Piter, já estava de pé, preparando seu café, nem esperou sua mãe, parecia que tinha uma pressa infinita e uma vontade de viver uma vida diferente, de ser alguém. Acordara com aquele propósito, mudar decididamente a maneira como vivia. Foi ao jornaleiro, comprou o jornal, e procurou a página dos classificados, hoje arrumaria algum emprego. Vestiu sua velha calça jeans desbotada, aquela sua camisa quadriculada preferida pediu algum dinheiro ao pai e saiu.
Aquele dia, andou feito um louco à procura de trabalho. No fim do dia estava exausto e sem nenhuma esperança concreta, muitas promessas. A principio pensou que nunca iria conseguir, mas afinal de contas o mundo desde que é mundo não foi feito em um dia, e amanhã era um outro dia, com certeza.  
A noite saiu para o barzinho, no House, os amigos se encontravam jogando sinuca como sempre  e era apostado, algumas garotas, muita fumaça e bebida. De vez em quando acontecia uma briga, mas nada grave, era o alcool que subia à cabeça, quando não era por causa do jogo, era por causa das gatas. Voltou para casa meio tonto, nem tinha bebido muito. Só queria dormir, pois amanhã iria rever Laura. Acordou com muita dor de cabeça, tomou uma aspirina, depois entrou no banheiro deixando a água quente deslizar sobre seu corpo. Aquele ritual mágico despertou o prazer, e a imagem de Laura chegou a sua mente, naquele momento seu pênis enrijeceu  e com fúria masturbou-se chegando ao orgasmo. Era a primeira vez que fazia aquilo pensando nela, e mais desejo sentiu e novamente gozou.
No horário previsto, já estava em frente à clinica. Sentou-se na mesma poltrona  e ficou ali a esperar. A recepcionista trocava palavras com um médico, e sem constrangimentos me dirigi a ela.
-Senhorita, poderia me dizer se Laura já esteve aqui?
-O Sr. novamente?!
-Sim, poderia responder a minha pergunta?
-Ainda não Sr. aquela jovem daquele dia, ainda não veio buscar o exame.
-Obrigado, mas gostaria que a senhoria não comentasse nada com ela, sobre a minha pessoa, certo?
-Claro que não!
Aqueles momentos angustiavam-o cada segundo que se passavam parecia uma eternidade. No final da tarde, ela entrou na sala, entregou o recibo do convênio e aguardou os exames. Estava claramente nervosa, apertava os dedos com impaciência. Seu vestido era lindo, de um azul majestoso, tão encantadora. Começou a tremer, entrando na paranoia que ela poderia conhece-lo, medo tomou conta, igual ao sonho que tivera com ela. Sentiu seu coração disparar a cada minuto que passava naquela sala, e uma enorme vontade de lhe falar surgiu, quando finalmente levantou a recepcionista entregou os exames. A garota abriu o envelope e sorriu, fiquei  surpreso com aquela reação, imaginava que ficaria aflita e até choraria. Tal atitude me fez criar coragem e interrogá-la.
-Peço desculpas Srta, mas teve boas noticias pelo visto?
-É sim, imaginei uma besteira, mas foi tudo imaginação somente. Parece que o conheço de algum lugar?
-Estive aqui a dois dias atras, talvez a  Sra. tenha me visto, não sei...
-Engraçado, ontem sonhei com um rapaz e ele era parecido com o Sr. e o mais engraçado é que no sonho, ele estava num lugar parecido como este e confessava estar esperando por mim. E o Sr. não passa de um desconhecido.
-Talvez o destino tenha nos colocado na hora certa no mesmo lugar, por acreditar que poderia acontecer algo entre nós, é que estou aqui.
-Não compreendo...

-Desde que a vi naquele dia  tive vontade de lhe falar, porém não consegui. Resolvi que lhe esperaria, pois tudo que eu tenho feito nesses dois dias era pensar muito em você.
Ficou admirada com minha declaração, pensei por um certo momento que iria embora sem me dar a mínima atenção, entretanto, sentou-se calmamente na poltrona. Explicou-me pacientemente que estava grávida, que era uma gravidez esperada, pois era o que mais queria nesse mundo. Alguns anos atrás tinham lhe dito que jamais poderia ter filhos, mas nunca acreditou nisso e tinha certeza, a prova estava ali entre os seus dedos. Nem sei mesmo porque estou a lhe falar essas coisas. Também acho a sua atitude um tanto absurda.
-O que é absurdo? O desejo, a vontade de te conhecer melhor?
-O Sr. não acha que esta indo longe demais? Nem mesmo sei o seu nome, e...
-Me chamo Piter e sei que se chama Laura.
Com um ar de admiração estampado no rosto, olhava-me com certa ternura, e eu procurava sentir cada detalhe do meu corpo. Sorriu novamente, e pediu que a acompanhasse. Senti-me aliviado e o medo de ser repudiado desapareceu, uma grande alegria encheu meu coração, sabia que a teria de alguma forma e para sempre.
O tempo passou e ficamos juntos. Teve seu filho Roberto, Beto como era carinhosamente chamado. Eu consegui um emprego, também fiz faculdade e quando finalmente Laura engravidou novamente, ficamos muito felizes, mas durou muito pouco tempo, tanto  ela quanto o bebe não resistiram ao parto.  No inicio todo o processo de perda foi uma barra, não conseguia superar, e a vida  se transformou em uma enorme tristeza. O que ainda me trazia um pouco de felicidade era a convivência com Beto, aquele garoto era a lembrança viva de Laura e do nosso amor. Naquela época meus pais me deram muito apoio, e pude constatar o quanto eram amigos e me amavam, até Junior demonstrava certo carinho e sempre que podia passava os finais de semana comigo e Beto, dando-me ânimo para sair do caos que a minha vida se transformou.
Passaram-se alguns anos, já formado e trabalhando para um conceituado jornal, vivia uma rotina com certa tranqüilidade. Meu hobbe predileto era escrever poesias e ficar horas e horas a frente do computador, brincando com as palavras. Vez por outra uma enorme saudade invadia minha alma, e eu a sentia em meus braços, e todos os momentos que vivemos juntos vinham na lembrança. Nunca mais consegui amar outra mulher, da mesma forma como amei aquela moça de cabelos lisos, busquei em outros corpos a mesma emoção, mas nunca encontrei
Hoje, apesar de todos os sofrimentos impostos pela vida, sou um homem que tenta vencer os obstáculos, que sabe da existência do amor, e como ele é importante na vida de cada um de nós.







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