quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

VIVER

A rua estava meio deserta, poucos carros, pouca gente em frente aquela praça enorme, o teatro que sempre estava cheio, hoje ao contrario mal se via uma viva alma na bilheteira, apenas o homem do coco, displicente sentado cochilando. Do lado a banca de revista, parada junto a ela uma menina em sua cadeira e rodas, menina de um semblante dócil, aspecto meio carregado um sofrimento, mas tranquilizador conformada com sua condição deficiente, junto a  sua cadeira uma senhora jovem, cansada pelo tempo lia algumas revistas. A menina de olhinhos negros deveria ter seus 17 anos, parecia ter o olhar perdido. A passos lentos fui me aproximando e fui tomado de uma vontade enorme de conversar com aquela dócil menina.

Fiquei ainda alguns minutos parado como se tomasse fôlego para tomar a iniciativa de um dialogo. Meus olhos encontram o dela, que pareciam tão profundos como verde-azul do mar. Sorri e ela instintivamente retribuiu ao meu gesto.
- Olá, feliz natal menininha...
- Feliz natal moço
Sua voz parecia embargada, meia tremula, mas de uma conotação forte e decisiva.
- Comprando revistas?
- Não, esperando minha mãe
- Podemos conversar um pouco? Não me leve a mal, mas não sei por que você me chamou atenção, e inexplicavelmente sentir uma enorme vontade de lhe falar, saber como  ficou nessa condição.
- Não gosto muito de falar sobre estes assuntos, mas não sei...posso contar ao Sr.
Perto da banca havia um banco de jardim na praça, gentilmente solicitou que a levasse ate la, pois a historia demoraria um pouco e não queria que ficasse em pé por tanto tempo.

Larrissa era seu nome, com os olhos embargados começou a referendar sua historia. Sempre vivera no interior de Goiás, estudava na única escolinha da cidade, desde os 06 anos. Gostava de ler e de compartilhar conhecimentos. Todos os dias pegava a estradinha de barro da sua casa no sopé da colina ate a cidade, sentia felicidade em ir todos os dias a escola aprender, sonhava em um dia ser uma cientista. Aos 09 anos, já tinha concluído o primário e ingressava no ginasial, sempre fora inteligente e vivaz. Descia a estradinha como de costume, quando ao longe avistou um homem barbudo e careca que lentamente se aproximava, logo sentiu certo receio, sentiu seu coração acelerar pois nunca o vira pelas redondezas, mesmo assim continuou firme seu percurso. Não se deu conta qual instante aquele homem ficou a sua frente impedindo sua passagem, olhou bem nos seus olhos e este falou: "menina aonde  você vai?" "porque você estar sozinha nesta estrada?" O temor foi crescendo dentro do seu coração e não teve palavras para responder aquelas perguntas, apenas o encarou. "Responda, vai ficar ai, me olhando?" Tremula e com as mãos já frias, respondeu timidamente: "estou indo a escola, e o Sr. que faz por estas bandas, longe da cidade?"
Depois dessa frase não lembra de mais nada, acordou no hospital com dores por todo o corpo e o olhar assustador daquele homem em suas lembranças. A policia por diversas vezes tentava fazer com que se lembrasse dos detalhes e o que de fato aconteceu, mas sua mente insistia em bloquear. Seus pais e irmãos estavam sempre por perto, vez por outra via os olhos cheio de lágrimas de sua mãe e que inexplicavelmente dias mais tarde saberia da sua triste realidade e do por quê daquelas lágrimas.
Nunca conseguiram localizar o agressor, foi encontrada desacordada na beira do riacho  a kilomentros de distancia de onde lembrava ter falado com aquele sinistro homem, no exame de corpo e delito foi constatado estrupo seguido de vários traumas na região da bacia, onde atingiu a coluna resultando na deficiência, segundo os médicos não voltaria a andar.
Ali na praça observando aqueles doces olhos e ouvindo toda a historia de Larissa tive a certeza que ela jamais deixará de lutar, que suas pernas um dia obedecerão a ordem de sua mente e voltara finalmente a sentir a docilidade da liberdade que é o ir e vir.
A Sra. que estava a uma certa distancia de nós dois se aproximou e com um sorisso, levou a pequena Larrissa em sua cadeira de rodas.

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