sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

CERTEZA DE AMAR

Duas 2h30m, o ônibus corria. Na estrada não se via nada, o frio da madrugada predominava e eu continuava a ler o livro, apesar da pouca luminosidade  no ambiente. A janela aberta trazia a brisa suave que envolvia meu rosto, dando-me uma sensação de leveza. Fechando o livro, visualizei no meu mundo interior a minha cidade. Lembranças eclodiam em minha mente, fazendo-me sorrir. Tinha sido feliz, nossos momentos de amor, nosso primeiro encontro, nossas mãos apertadas uma contra a outra, nosso primeiro beijo. E uma emoção enorme novamente tomou conta de mim, uma emoção que me dava a certeza do meu amor, trazido dentro do peito, que me perturbava e me enloquecia de prazer. Voltava aquela cidade porque ainda amava. O livro caiu de minhas mãos, despertando-me dos meus devaneios, em seguida apaguei a pequena luz que iluminava o ambiente, deixando a claridade da madrugada  invadir o minúsculo lugar onde estava. O sono intranqüilo tomou conta de meu corpo, sonhos que tentam tomar forma, mas o pensamento estava lá, naquela cidade, junto a quem amava. Tornaria vê-lo, senti-lo próximo, poderia expressar tudo que sentia. Assim, dormir profundamente.

Senhorita, acorde, temos meia hora para o café.
Hã...Hã...
O rapaz ao lado acordava-me. Eram 07:30 hrs, e não tinha a menor vontade de levantar-me, mas atonitamente desci do ônibus, ainda meia sonolenta. Fui imediatamente ao toalhete, lavei o rosto encarando-me firmemente. No restaurante tomei um café simples. Pensamentos  de minha cidade tomavam conta de mim. Suas ruas velhas, casarões do século XIX, contrastando com o arrojo das construções modernas. Velhos sobrados, palacetes e mirantes, casas de meia-morada como o povo antigo costumava dizer, de uma simplicidade e beleza mil, e seus nomes eram de grandiosos que marcaram  todo o seu passado, como Gonçalves Dias, Arthur Azevedo, Graça Aranha, Aluisio de Azevedo, Humberto de Campos, João Lisboa, Raimundo Corrêa, Henrique Leal, Sotero Reis, Gomes Souza, Coelho Neto e outros.  A proximidade com minha cidade acelera os batimentos do meu coração e diminuía as saudades sentidas. Havia perguntado minutos antes ao motorista o horário que chegaríamos a São Luís, e ele afirmou que daqui  a  aproximadamente três horas.
 Aquelas ultimas horas no ônibus, pareciam intermináveis, assim retornei a leitura do livro, imaginando porém se ele estaria na rodoviária esperando. Mas algo me dizia que era impossível, a não ser que meu pai ou minha avó tivesse telefonado avisando. O ônibus entrou na cidade, uma emoção nova tomou conta de mim e sem querer meus olhos choraram. Era um fato inédito, nunca havia chorado por chegar a um lugar. Ao entrar na rodoviária meus olhos percorreram cada canto, procurando alguém, alguém tão intimo, tão amado, mas não havia ninguém, e uma tristeza invadiu minha alma.
Lá estava eu novamente na velha São Luís seus sobrados inconfundíveis marcado na ilha toda, nas suas sacadas de ferro, nos seus portais de cantaria, suas janelas em guilhotina, os braços de ferro dos velhos lampiões, era como me transportasse ao remoto passado daquelas ruas. Quinze minutos depois estava na porta da casa de minha avó. O grito da pequenina Rosaline anunciava a minha chegada.
Oi, Marrie... Que surpresa, você por aqui?
 - Tô de férias... Juliana. Cadê vovó?   
Estar lá na cozinha ... Você parece que engordou! Como vai o pessoal, lá de Sampa?
Tudo bem Juli...
 A casa da vovó continuava a mesma, todos pareciam os mesmos, como se o tempo não tivesse passado por lá. Subi até meu quarto, da janela avistava os telhados dos casarões e a Praia Grande, parte do centro histórico, a revelação do esplendor português. Respirei fundo e aquele ar encheu meus pulmões, senti certa satisfação de ter voltado aquela cidade. Tomei um bom banho, e desci para comer alguma coisa.
-  Como você estar mudada, parece que engordou?
-   Puxa vó, só impressão, estou com o mesmo peso.
-   E Luiz, já conseguiu arrumar emprego?
-   O pai sai todos os dias, mas ainda não consegui, ele anda muito preocupado, porque a reserva que ele tinha no banco, parece que estar acabando.
Só espero que ele consiga. Se por acaso nada der certo, acho bom ele voltar para cá, aqui ele têm amigos que poderão ajudar.
-    E você prima já estar trabalhado?
-    Sim, mas meu grande sonho é montar um consultório. Para isso preciso apenas terminar o curso de extensão.
-    Aqui no Brasil, a terapia familiar, não tem muito valor, acho que vai ser muito difícil, realizar seu sonho.
-   Não creio  Leila, a família  anda muito desarticulada, com muita carência de apoio, as pessoas perderam o discurso do dialogo, como também o espirito familiar que anda desaparecendo,  persistindo assim um enorme vazio existencial. Há bloqueios na sociedade e um enorme sentimento individualização que levará certamente famílias aos divãs. Será necessário repensar, para que não sejamos invadidos pelo caos sociais.
Belo discurso, temos aqui uma pessoa com bagagem intelectual e que entende das coisas. Vá em frente prima, se é para melhorar  e transformar o mundo, te dou o maior apoio.
-  Eu sei que vou realizar meu sonho...
O almoço estava delicioso, continuávamos a conversar sobre a cidade e seu crescimento,  as novidades dos amigos e parentes, as expectativas e mudanças econômicas  com a implantação da Alumar, e como não poderíamos deixar de comentar as    ultimas fofocas. Depois do almoço resolvi esticar o corpo e tirar uma boa soneca. Acordei com  os últimos raios de sol  a despedir-se do dia. Fui até a janela contemplar aquele crepúsculo inacreditável e irresistivelmente maravilhoso. Naquele horário era comum ver alguns pombos e pássaros a sobrevoarem os telhados dos antigos casarões,  dando mágica ao momento de tão rara beleza.
Marrie, desça logo, o jantar estar na mesa a vovó fez aquela sopa que você adora.
Tá bem, Leila já estou indo...
 Vovó sabia  que eu adoro sopa de creme de cebola, e certamente era a minha sopa predileta que estava na mesa. Toda vez que ia a São Luís, todos os meus desejos eram satisfeitos, e vovó demonstrava tanto carinho, e eu a amava muito, é bem verdade que quase não dizia isso a ela, tudo por causa de minha timidez.
Era comum que nos reunissem para almoçar e jantar, vovó fazia questão, era o momento de encontro familiar e de oração. E depois do jantar, a pausa para o cafezinho com um bom bate-papo. Naquele momento, uma voz familiar preenche o ambiente, fazendo com que meu coração apertasse e disparasse continuamente.  
-Oi, pessoal... Soube que havias chegado Marrie, e vim te ver...
-É, cheguei pela manhã.
Pensei que nunca mais ia te ver, depois de tudo que aconteceu...
Jamais deixaria de vir à minha cidade, vê minha avó e meus amigos e isso inclui a ti...
 Discretamente, Leila deixou a saleta e ficamos à sós.
-Marrie, nem sei como começar... Hoje eu tenho certeza que te amo, que o que aconteceu, foi uma atração e um tesão pela Sandra. Não te procurei por medo de não me quereres  mais.
Ali na sala nos beijamos ardentemente. Aquela boca quente sobre a minha, o seu abraço forte a apertar o meu corpo. Era o sonho, o meu amor era meu novamente.
Pelo que estou vendo, vocês voltaram as boas?
Eu a amo D. Amélia, e não vou mais perdê-la, nunca mais...
Sim vovó, vamos ficar juntos e para sempre.
Tudo aconteceu a dois anos atrás, quando Sandra, uma moça carioca, chegou na nossa cidade, com um jeito atirado e provocador, dispensando todas as atenções masculinas. Leandro, sempre foi um rapaz tímido, reservado de poucos amigos e de uma sinceridade incrível. Entretanto, ela com sua maneira de ser, diferente de todas as garotas  da cidade, envolveu o Leo, e ele acreditou estar apaixonado, como é uma pessoa integra, terminou o nosso namoro, o que me deixou totalmente infeliz, fato que me levou de volta a São Paulo o mais rápido possível, para viver definitivamente com meus pais. Assim, nunca mais soube noticias dele, a não ser quando minha prima escrevia ou ligava. Sabia que ele estava feliz ao lado da Sandra. Um dia, porém, recebi uma carta da Sandra, onde dizia o seguinte: “Todos os dias quando amanhece, e eu vejo o mar calmo ao longe, alguns pássaros, ou vez por outra o silêncio a invadir o meu quarto, me levava a uma reflexão constante de minha vida, que me preocupava a todo momento, continuava a viver a vida mas  o que fiz me incomodava a cada dia que  passava. Hoje tive coragem de lhe escrever e dizer que não amo Leandro, posso até confessar que o tirei de você propositadamente, pois parecia que tinhas raiva de mim, e nunca me deu a atenção devida, mas convívio com esse remorso dia após dia, o que me deixa imensamente vazia e nada muda essa realidade. Tenho medo de confessar  tudo isso a ele, não sei se me ama, parece apenas gostar de mim. Queria mudar essa situação, poder falar tudo isso a ele, mas não tenho coragem, e não sei como. Talvez isso tudo tenha acontecido por ter sido criada de forma errada, com valores tão diferentes, com tudo na mão e hoje não consigo superar. Peço a você que me desculpe, e se o amas, faça alguma coisa, tome alguma atitude, pois sinceramente eu não sei o que fazer...”
Diante dessa  atitude e dessa revelação, senti certo alivio e felicidade, como se a alegria voltasse a minha vida. Respondi sua carta, apenas para esclarecer que só ela poderia contar a verdade a Leo, e que mesmo que eu quisesse seria suspeita para isso. Ele, entretanto, não mandou avisar e nem mesmo me escreveu. Soube que haviam terminado por minha prima, no mês passado quando havia me ligado.
Ele agora estava na minha frente, explicando, dizendo que me amava. O meu Leo, finalmente seriamos felizes, naquele lugar , na nossa cidade, o amor que sentia por ele  era  tudo na minha vida, finalmente toda  aquela viagem tinha um sentido. 
Meus sonhos profissionais e afetivos caminhariam juntos, lado a lado, me dando a certeza de que vale a pena acreditar na vida e no amor!
                                                                                                         



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