terça-feira, 4 de setembro de 2012

UM AMOR BANDIDO

Eram duas horas da madrugada quando os carros da policia rodopiavam em frente a Praça para virar a próxima esquina e invadir mais alguns lares. Havia dias que isso já se constituía um hábito, o delegado Rozeno depois de vários anos de investigação conseguiu chegar aos nomes dos culpados do grupo de extermínio que a muito tempo vinha fazendo estrago na cidade. Foi um trabalho minucioso e sem tréguas, 40 pessoas indiciadas no inquérito que tiveram suas vidas devastadas, a ter sido posta uma a uma no carcere.  Rozeno sabia que apesar desse grupo estar dizimando os bandidos, eles não eram a lei e apesar disso estavam exterminando vidas a seu contento, com um objetivo de instaurar o terror e resolveram matar qualquer desafeto, qualquer pessoa que porventura estivesse  atrapalhando as suas vidas, matando inocentes ao seu bel prazer. Era preciso detê-los.
Entre os prisioneiros estava Josué, um cara boa pinta, malhado e com ares de inocente. Algemado na frente da esposa nada falou em sua defesa, caminhou a passos lentos até o camburão onde estava outros prisioneiros, alguns velhos seus conhecidos.
(....) Quem é Josué, naquele momento de  sua prisão, ele estava fora havia meses da atividade do grupo, depois da sua mal fadada experiencia em ceifar  a vida de alguém, considerou muito e decidiu deixar aquela vida, mas as amizades com o grupo, não o isentaram de ser citado como um dos membros atuantes. Tinha então 18 anos quando se envolveu diretamente com a gangue de extermínio, a principio considerava uma diversão, participar de emboscadas e ajudar a localizar traficantes. Pensava que estava limpando a cidade, coisa que a policia não fazia, não importava os métodos, mas os resultados sim era importantes. Talvez por pensar assim, não acreditava na sua consciência que praticava atos ruins, era como livrar pessoas boas da maldade e da proliferação das drogas. Os meios justificam o fim..pensava. Quando foi preso tinha então 24 anos, tinha uma família, uma esposa e foi ela que o incentivou a largar essa faceta da sua vida, além de mostrar que agora a organização não se incumbia só de traficantes, mas era qualquer um. Naquela ocasião ele se odiou por ter um dia participado de tanta barbarize, estava centrado na sua vida de casado, seu trabalho e na idéia de ter um filho.
Quando o camburão com os presos adentrou o patio do presidio, sentiu calafrios e por segundos desejou não estar naquele lugar. Era difícil imaginar uma vida naquele presídio. Cabisbaixo e seguindo os outros presos, Josué sentiu o gosto amargo de suas ações e uma nova vida surgia de forma distorcida e imposta goela afora, compreendendo que era necessário pagar pelo que tinha praticado, talvez só assim sua consciência lhe daria uma trégua.

Já amanhecia quando foi empurrado para uma cela pequena, úmida e com cheiro de morfo. Apenas um colchão velho e um travesseiro imundo aqueceu seu corpo cansado e dolorido de tanto soco levado dos policiais, que desejavam  a todo custo uma confissão. Era o começo do seu inferno! Estávamos no ano de 2008. Agora sabia que precisaria se adequar  aquela vida ofuscada e terrível, teria que fazer conchavos, buscar recursos financeiros para ter um pouco de dignidade e sobretudo se comportar da melhor forma que pudesse, para que logo pudesse sair dali. E teria que contratar um bom advogado para não ver seus planos ruirem.
Dois dias depois recebeu em uma visita intima de sua esposa e com ela combinou como buscariam ajuda, já que não tinha tantos recursos. Sabia que os chefãos deveriam estar mortos de medos de ser denunciados, pois preso mesmo só foi a raia pequena, os que  comandavam esses pareciam intocáveis. Depois da conversa, momentos de carinho e amor o fez relaxar e se sentir em outro mundo, estava livre naqueles ínfimos momentos e no delírio do prazer estava em êxtase. Ela era tudo que lhe restava, que daria força para continuar vivendo naquele inferno. Combinaram de que ela procuraria Severo, o homem de ferro da organização e dele a ajuda necessária para sua libertação.
Na cela não tinha muito que fazer, um livro empoeirado que insistia em ler, os momentos de prazer no patio quando podia sentir a luz do sol e seus pensamentos emaranhados, despedaçados e infelizes. Naquele dia foi chamado pelo diretor Sr. Augusto que o incumbiu de uma tarefa, trabalhar na enfermaria. Sorriu, agora iria se sentir mais livre, e poderia de alguma forma ser útil, além de que dessa forma poderia diminuir sua pena de algum modo, prontamente  aceitou, já fazia um mês que a vida lhe parecia  vazia e sem destino.
O primeiros dias na enfermaria foram tudo que ele imaginara, levava os detentos para ser examinados pelos medicos, havia um clinico geral e um psiquiatra, as vezes cuidava de um prisioneiro que se feria de algum modo, limpava suas feridas, organizavas os fichários dos medicos, as marcações da consulta, sempre prestativo, tanto os presos, os agentes de saúde e medicos foram se afeiçoando a sua pessoa, seu modo disponível, afável e por hora brincalhão.
Numa noite foi acometido de um sonho estranho, acordou suado, delirante, coração pulsante e apertado. Sonhara que uma linda mulher de cabelos longos e negros flutuava em sua frente, e com um frenezi tocava seus rosto, que encontrava-se ao seu lado pairando na noite estrelada. Aquele olhar enigmático e sedutor  era conhecido, só que naquele momento não conseguira lembrar, os pingos de suor morriam a sua boca e ele podia sentir o gosto salgado. A partir daquele dia a imagem daquela mulher lhe perseguia sempre que encontrava-se só e em devaneios a beijava intensamente. Novamente foi acometido pelo mesmo sonho, a mesma cena e um toque suave da mãos finas da mulher gelava sua face... o que era aquilo, que significado tinha, porque era atormentado assim? Foi assim que resolveu marcar uma consulta com a psiquiatra do presidio, talvez ela pudesse lhe esclarecer de vez por todas e assim poderia compartilhar com alguém aqueles sentimentos estereotipados e insanos que o atormentavam.
No dia da consulta estava nervoso, não tinha idéia de como falaria de suas angustias, dos medos e da eloqüência incoerente que era o desejo insano de sentir que aquela mulher existia, e não era sua esposa, era alguém que já vira e  que existia razões que desconhecia para impedir que lembrasse quem era. A sala parecia abafada, apenas ouvia o som do ventilador, espera ansioso e ao mesmo tempo com um topor pela doutora. Ela chegou, com os cabelos soltos negros, seu guarda pó branquinho e apenas o logotipo do complexo prisional exposto de forma enorme que chamava atenção dada a brancura da roupa. Ele estava em pé, trêmulo. Gentilmente ela solicitou que sentasse. La fora chovia, podia-se ouvir o vento e o balançar das arvores e nesse segundo mágico, percebeu naquele olhar uma sensação já vivida e sem explicação a doutora a sua frente era tão familiar. Não tinha mais duvidas, ela era a mulher que habitava seus pensamentos e talvez o medo de ser descoberto por estar totalmente apaixonado por uma pessoa totalmente diferente de si, a negação desse sentimento era a unica explicação para o que estava acontecendo com ele. Pior que estava a sua frente e como iria explicar tudo aquilo, lágrimas brotaram em sua face. Agora tinha certeza amava aquela mulher mas jamais poderia confessar ou expor a todos o seu amor bandido, tardio e sem chances de algum dia se tornar uma realidade. Levantou-se sem uma palavra, foi embora da sala.





2 comentários:

  1. seria interessante se ela também se apaixonasse por ele caso ele desse abertura. Poderia ser uma nova chance para ambos!

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  2. Poderia ate continuar..mil ideias podem fluir...pensei ate ser o contrario..ela apaixona-se e ele vai embora....ou quem sabe um dia essa historia poderá ter um final feliz!!

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